terça-feira, 30 de setembro de 2008

DURVAL DISCOS / A ORIGEM DOS BEBÊS SEGUNDO KIKI CAVALCANTE

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine deste segundo semestre de 2008. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.

No mês de outubro, o Cineclube ComCine exibe em cada sexta-feira um curta-metragem, seguido de um longa.



Nesta semana:

O grande vencedor do Festival de Gramado de 2002 (sete Kikitos, incluindo o de melhor filme), “Durval Discos”, longa-metragem de estréia da diretora Anna Muylaert, alterna elementos de comédia absurda, drama comportamental e suspense. A história do quarentão que teima em vender apenas vinis em sua loja de discos, sua relação com a mãe amalucada e a chegada de uma menina que vai implodir esse universo se vale bem da mistura de gêneros e estilos e das freqüentes mudanças de tom. Também tendo uma menina imaginativa como protagonista, o curta “A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti”, realizado sete anos antes do longa, já revelava o gosto da cineasta pelo humor insólito e seu talento para a direção de crianças.



:: A ORIGEM DOS BEBÊS SEGUNDO KIKI CAVALCANTE
De Anna Muylaert
(SP, 1996, ficção, cor, 17 minutos)

Comédia de costumes sobre as confusões que as crianças fazem a respeito da vida sexual dos adultos.




:: DURVAL DISCOS
De Anna Muylaert
(SP, 2002, ficção, cor, 93 minutos)


Solteirão, com jeitão de hippie, tem uma loja de discos e ainda mora com a mãe. Com a chegada do CD, recusa-se a vendê-los, mantendo-se fiel ao vinil. O inesperado aparecimento de uma menina mudará para sempre as vidas de Durval e de sua mãe dominadora, mostrando que tudo na vida tem um lado A e um lado B, como nos LPs.




Data: Sexta, 03 de outubro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00

ENTRADA FRANCA


IMUNIZAÇÃO (IR)RACIONAL
Por Rodrigo de Oliveira


Em “A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti” somos apresentados a Kiki, uma criança encantadora e sobre a qual é impossível ter qualquer controle. Criada num ambiente atribulado devido às constantes brigas dos pais e à ascendência do irmão endiabrado, Kiki trabalha dentro de si essas influências e ali, em sua cabeça explodindo de conexões cuja lógica é toda particular, temos entrada proibida (ainda que Anna Muylaert sempre insista, e muito bem, no contato com o imaginário infantil – basta olhar seu trabalho na criação de séries como “No mundo da lua”, “Castelo rá-tim-bum” ou “Um menino muito maluquinho”). O que podemos ver são as manifestações do contato de Kiki com o mundo, e sua teoria torta – mas justificada pelas confusões familiares – sobre o nascimento dos bebês. Kiki sustenta um paradoxo fundamental: mantém a visão inocente da infância, mas já está completamente contaminada pelos símbolos da violência.


Sete anos depois, Anna Muylaert retorna à Kiki, e mesmo que seja interpretada por outra atriz-mirim e tenha um sobrenome diferente, a menininha de “Durval Discos” carrega a mesma presença simbólica de antes. É uma questão de confronto de mundos. Primeiro há a vivência estática de Durval e Dona Carmita. O começo do filme nos apresenta esta velha casa paulistana e sua loja de discos como um ambiente analógico que resiste à crescente digitalização ao seu redor. Mas ainda existe o “ao redor”, ainda mantém-se um contato com o lado de fora, para o qual Durval e a mãe são perfeitas antíteses. O rigor formal é absoluto: longos planos de câmera parada, estabelecendo a imutabilidade atroz daquela existência (é a mãe assentada na velhice, o filho velho-garoto preso a ela, os flertes com a vizinha que nunca passarão disso). Kiki, esta força que não se controla, que encerra em si a inocência e a violência, chega para mover a vida – e, eventualmente, mover a câmera. Uma seqüência simples de conversa na sala ganha fluência pela simples presença da menina: um rodopio em torno da mesa, que empurra Durval e Dona Carmita para os cantos e coloca Kiki no centro deste novo universo criado por ela.


Kiki olha para meia dúzia de ratos de esgoto e diz: “Olha, o Mickey!?”. Ela é capaz de assimilar qualquer estranheza e transformá-la em doce loucura. Sua presença isolará definitivamente a casa do mundo exterior (e se houver uma incursão por ele, digamos, pelo trânsito caótico de São Paulo, só se for a bordo de uma charrete).


Num filme musical como este, as canções são mais que preenchimento de fundo. No passeio de bicicleta pela casa, cena que equilibra a candura de Kiki com a memória de um passeio similar, do menino aterrorizado em “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, Durval coloca uma música do disco “Racional”, de Tim Maia. A questão parece bem essa: a tentativa de racionalização não esconde a irracionalidade latente em todo o projeto. Kiki é agente dessa lógica distorcida, e nem Durval, nem Dona Carmita, nem mesmo o próprio filme estão imunes a isso.


Passado todo o pequeno épico buñueliano que se arma dentro da casa, Durval toma tempo para ouvir uma última música antes de abrir novamente as janelas para o mundo. E toca “London, London”, na voz de Gal Costa. Se a criança é sempre uma caixa de mistérios, e se contra a loucura de sua mãe não há mais o que fazer a não ser se desesperar, a saída é mesmo o exílio emulado por Caetano. Só assim, talvez, Durval consiga se integrar ao que acontece lá fora. Só assim, talvez, ele consiga se misturar aos signos visuais da cidade, como na seqüência de créditos iniciais em que os nomes dos realizadores aparecem misturados a placas e anúncios de rua. Durval briga, no fundo, pelo direito de fazer parte de loucuras mais saudáveis que aquelas de sua pequena e febril loja de discos. Briga pelo direito de exilar-se no mundo real.








Próximos filmes do Cineclube ComCine – curtas & longas:




sex 10/10 – O Catedrático do Samba / Samba Riachão


sex 17/10 – O Último Raio de Sol / O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas


sex 24/10 – O Sanduíche / Por Trás do Pano


sex 31/10 – Rua do Amendoim / Amor & Cia










O ComCine UFOP


Criado em 2004, o ComCine – Comitê de Cinema da Universidade Federal de Ouro Preto, é um grupo formado por pessoas de diversas áreas da universidade (alunos, professores e funcionários) e também da comunidade externa, reunidos todos pela admiração ao cinema. Seu principal objetivo é servir como fórum de discussão sobre o audiovisual, considerando a sua produção, circulação e recepção. Trabalha levando o melhor do cinema às pessoas, num processo de formação de público e olhar crítico. Em 2006, o Conselho Universitário (CUNI) aprovou seu regimento interno, reconhecendo-o como espaço privilegiado de discussão e deliberação sobre o audiovisual na UFOP.


Entre suas atividades, destacamos a curadoria da área de Artes Visuais (cinema, vídeo, fotografia) do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2007 e 2008, além da elaboração de mostras regulares ao longo do ano, compostas por filmes temáticos e alternativos, em sessões gratuitas e, por vezes, itinerantes, nestas mesmas cidades. O principal evento atual é o "Cineclube ComCine", que acontece todas as sextas-feiras, às 23h, no Cine-Teatro Vila Rica, com entrada franca. E uma vez em cada período letivo da universidade, promove a "Conversando Cinema": a mostra de filmes comentados por professores, às 21h, no Cine-Teatro Vila Rica, com duração de uma semana e entrada gratuita.


As reuniões são abertas a todos os interessados, para, entre uma discussão e outra, planejar mostras gratuitas, sugerir filmes para a programação do Cine-Teatro Vila Rica – o qual faz parte do patrimônio da UFOP – e criar novas idéias para estimular a comunidade a interessar-se por esta que é chamada a Sétima Arte.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Curtas-metragens: “VIOLÊNCIA URBANA”

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine deste segundo semestre de 2008. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.



Observação: a parceria com o Museu da Inconfidência foi cancelada; os filmes que estavam agendados para as quintas-feiras serão exibidos no próximo mês.






Nesta sexta-feira:


Curtas-metragens com o tema VIOLÊNCIA URBANA
A violência cotidiana, uma das maiores mazelas da sociedade brasileira, não podia ficar fora da mira dos nossos cineastas. E essa seleção de seis curtas-metragens sobre o tema mostra que ela está presente tanto nos grandes centros – caso dos cariocas Rota de colisão e Bala perdida, e dos paulistas O trabalho dos homens e Balaio – como em outras regiões do país, exemplificadas por João Pessoa (O cão sedento) e Cuiabá (Baseado em fatos reais).
Tempo total: 73 minutos




:: O TRABALHO DOS HOMENS
De Fernando Bonassi

(SP, 1998, ficção, cor, 10 minutos)
Mais uma ocorrência na cidade de São Paulo: um homem mantém uma mulher sob a mira de um revólver. A polícia chega e monta o cerco, tentando contato com o seqüestrador. Atiradores de elite também são convocados. Uma dupla se instala no alto de um prédio. Enquanto aguardam ordens pelo rádio, eles conversam...




:: ROTA DE COLISÃO
De Roberval Duarte
(RJ, 1999, ficção, cor/pb, 12 minutos)
Após um roubo, um ladrão, um operário e um menino de rua têm seus caminhos cruzados. Nas ruas daquela metrópole do Terceiro Mundo, um destino trágico e comum os aguarda.





:: BALAIO
De Luiz Montes
(SP, 2004, ficção, cor, 10 minutos)
O que acontece quando todos eles se reúnem em um clube? Um confronto de olhares, encenado com a tela dividida e múltiplas perspectivas. Baseado em um conto de Marçal Aquino.





:: O CÃO SEDENTO
De Bruno de Sales
(PB, 2005, ficção, cor, 10 minutos)

Em 1970, uma série de roubos de carros abala João Pessoa. O serial killer rouba, mata e queima suas vítimas, sem derramar uma gota de sangue.




:: BALA PERDIDA
De Victor Lopes
(RJ, 2004, ficção, cor, 14 minutos)
Numa tarde de sol, numa praça do Rio de Janeiro, começa um tiroteio. O tempo volta um minuto para revelar as histórias de várias pessoas que testemunham os disparos. São pessoas muito diferentes, todas expostas à trajetória das balas. Qualquer um pode morrer.




:: BASEADO EM FATOS REAIS
De Bruno Bini
(MT, 2001, ficção, cor, 17 minutos)
Uma dívida. Uma lâmpada. Uma bíblia. Um revólver. Você acha que não, mas poderia ter acontecido com você.






Data: Sexta, 26 de setembro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00

ENTRADA FRANCA









BANG-BANG NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS
Por João Carlos Sampaio

Histórias que transportam para a ficção as ocorrências policiais dos grandes centros urbanos do país inspiram os seis curtas-metragens desta seleção, que reúne obras rodadas entre 1998 e 2005.


Dois atiradores de elite se posicionam no terraço de um prédio em São Paulo, aguardando a ordem para executar um seqüestrador. Enquanto esperam o momento de agir, conversas sobre comida e amenidades cotidianas povoam os diálogos de O trabalho dos homens (1998), de Fernando Bonassi. Ele trabalha o acessório como principal, tanto que a violenta ação em curso é vista à distância, numa inversão interessante do foco narrativo.


O curta carioca Rota de colisão (1999) trata do roubo de pedras preciosas, a partir do envolvimento de três personagens. Um operário em sua hora de folga, um garoto aficionado por jogo de gudes e um ladrão em fuga vão se encontrar na trama criada por Roberval Duarte. Ele filma em preto e branco, experimentando texturas. Com uma dramaturgia ultra-realista, não usa diálogos e brinca com as muitas variáveis para a solução da história.


Inspirado em conto do escritor Marçal Aquino, Balaio (2004) apresenta um tenso encontro no bar, que envolve matadores, bandidos e policiais. A ambientação lembra os filmes de faroeste, só que a terra-sem-lei dessa fita é o subúrbio paulistano, em pleno século 21. O diretor Luiz Montes divide a tela em vários quadros para sublinhar as ações simultâneas. O recurso aumenta a tensão da montagem e dá ênfase aos mínimos gestos dos personagens.


Uma locução radiofônica abre a narrativa de O cão sedento, curta paraibano assinado por Bruno de Sales, sobre um assassino em série, que rouba e mata sem deixar vestígios. Trabalha com elementos de suspense, revelando apenas ao espectador os subterfúgios do criminoso, enquanto a polícia e os outros personagens mostrados na trama continuam em busca de respostas. Destaque para o uso de intervenções gráficas, com desenhos que imitam histórias em quadrinhos.


Um exercício de montagem interliga os acontecimentos paralelos de Bala perdida (2004), cuja intersecção mais marcante se dá com a presença sonora de estampidos de tiros e de uma buzina de carro. A ação mostra a tranqüilidade numa praça carioca interrompida por disparos capazes de atingir alvos inocentes. A direção é de Victor Lopes, que levanta o tema sobre a crescente sensação de insegurança nas metrópoles.


Sexo, drogas, rock’n’roll e carros em velocidade preenchem o universo adolescente de Baseado em fatos reais (2001), curta mato-grossense dirigido por Bruno Bini, que fecha este painel sobre a violência urbana. A fita recorre a clichês das tramas policiais para contar a história de três rapazes de classe média, cujas vidas são alteradas depois de uma noite de excessos. O filme discute a natureza moral do crime, dando à luz reflexões morais e uma crítica social à impunidade.








Próximos filmes do Cineclube ComCine – curtas & longas:



sex 03/10 – A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti / Durval Discos


sex 10/10 – O Catedrático do Samba / Samba Riachão


sex 17/10 – O Último Raio de Sol / O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas


sex 24/10 – O Sanduíche / Por Trás do Pano


sex 31/10 – Rua do Amendoim / Amor & Cia

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

ATENÇÃO

A exibição do filme MACUNAÍMA, de Joaquim Pedro de Andrade, marcada para esta quinta-feira (4/9), às 19:30, foi transferida para o IFAC - Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da UFOP.

Pedimos desculpas e agradecemos a compreensão.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

"MACUNAÍMA" e curtas "CLÁSSICOS E MODERNOS"

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine deste segundo semestre de 2008. Agora com uma novidade: um novo ponto de exibição, em parceria com o Museu da Inconfidência de Ouro Preto.

Serão duas sessões diferentes por semana, todas com filmes da
Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro: às quintas-feiras, 19h30min, no Anexo do Museu da Inconfidência, e às sextas-feiras, 23h, no Cine-Teatro Vila Rica. Todas as sessões têm entrada gratuita.



Nesta quinta-feira:

:: MACUNAÍMA
De Joaquim Pedro de Andrade
(RJ, 1969, ficção, cor, 105 minutos)

Macunaíma é a história de um anti-herói, ou “um herói sem nenhum caráter”, nascido no fundo da mata virgem. De preto vira branco e troca a mata pela cidade, onde vive incríveis aventuras, acompanhado de seus irmãos. Na cidade, segue um caminho zombeteiro, conhecendo e amando a guerrilheira Ci e enfrentando o vilão milionário, Venceslau Pietro Pietra, para reconquistar o amuleto que herdara de Ci, o muiraquitã.

Com a adaptação da rapsódia de Mário de Andrade, Macunaíma inova a estética do movimento cinemanovista ao incorporar elementos da chanchada, através da atuação de Grande Otelo, e transfigurar fatos da vida política, que invadem o relato épico das andanças de seu protagonista entre figuras da mitologia popular brasileira. Filme emblemático do final da década de 1960, Macunaíma atualiza o legado do Modernismo e estabelece a tão buscada relação do Cinema Novo com o grande público.

Data: Quinta, 4 de setembro
Local: Anexo do Museu da Inconfidência
Hora: 19:30

ENTRADA FRANCA



QUEBRANDO PARADIGMAS PELA GRAÇA
Por Luiz Joaquim

Não há como evitar o riso logo na primeira imagem projetada por Macunaíma, a adaptação realizada por Joaquim Pedro de Andrade em 1969 para o homônimo romance modernista escrito por Mário de Andrade em 1928. É um riso que vem pelo absurdo da situação mostrada, com Paulo José aos berros, travestido como uma velha a parir o bebê Grande Otelo; e é um riso que encontra mais fôlego no despojamento das relações entre si e com o universo que cerca os personagens brasileiros em foco no filme.

Quatro décadas separam a obra literária da cinematográfica e cada uma, a seu modo e em seu terreno de funcionamento, quebrou paradigmas narrativos e discursivos. Se no romance Mário de Andrade chamava a atenção para as raízes do Brasil e seu folclore, tentando imitar na escrita o modo de falar e os provérbios do brasileiro (“sonhei que caía meu dente, é morte de parente”) e assim desvinculando-se do Romantismo, o filme de Joaquim Pedro é reconhecido como um dos derradeiros representantes do Cinema Novo, mas utilizando-se de concepções estética rejeitadas pelo movimento e com características mais próximas da Chanchada. O humor é seu bastião maior para sugerir uma reflexão sobre a realidade brasileira.

O resultado foi espetacular. Macunaíma foi considerado por muitos (crítica e público) o melhor filme brasileiro de 1969. Além de eleito melhor filme no Festival de Mar del Plata e de Brasília (onde arrebatou também os troféus Candangos de cenografia, figurino e melhor ator para Grande Otelo e coadjuvante para Jardel Filho), a obra ficou por quase um ano em cartaz circulando pelo País, levando multidões aos cinemas.

A popularidade vinha pelas gargalhadas e as gargalhadas vinham pela identificação com o “herói de nossa gente” e suas presepadas. É um Macunaíma negro (Grande Otelo), que pula de felicidade ao ficar branco (Paulo José) quando passa por uma fonte milagrosa, e cujo expressão preferida é “Ai, que preguiça!”. O “nosso herói” é um sem caráter que adora dinheiro e as sem-vergonhices do sexo, além de sua rede (não necessariamente nesta ordem).

Sob uma trilha sonora que oferece de Francisco Alves e Silvio Caldas até Roberto Carlos e Jorge Ben, e apoiado por um elenco estupendo, orientado para encontrar na extravagância da caricatura a expressão adequada a compor está fábula, Joaquim Pedro consegue criar uma atmosfera única no cinema nacional. Fala do Brasil e do brasileiro fazendo-o rir de sua moral, virtude e vício.

Seja quando Macunaíma é perseguido pelo Curupira a gritar “carne da minha perna”; seja no discurso em praça pública num “feriado inventado” – quando nosso herói se rebela dizendo que o símbolo do Brasil não são as estrelas do Cruzeiro do Sul, mas sim o futebol, o maruím, a muriçoca, a frieira e a espinhela-caída –; ou seja ainda no candomblé, através do qual se vinga do burguês antropofágico Venceslau Pietro Pietra (Jardel Filho), é o Brasil que está a desfilar na nossa frente em sua forma mais autêntica e corajosa.




Na sexta-feira...

Curtas-metragens: CLÁSSICOS E MODERNOS
Esta seleção apresenta obras assinadas por importantes nomes da cinematografia brasileira, como o mestre pioneiro Humberto Mauro. Estão presentes também o cinemanovista Joaquim Pedro de Andrade e um dos diretores mais aclamados da atualidade, Jorge Furtado, além do paraibano Linduarte Noronha e do carioca Joaquim Assis, responsáveis por dois clássicos do documentário nacional.
Tempo total: 85 minutos.


:: ARUANDA
De Linduarte Noronha
(PB, 1960, doc, pb, 22 minutos)
A história de um quilombo, formado em meados do século XIX, por escravos libertos no sertão da Paraíba. O filme, da mesma época da inauguração de Brasília, mostra uma pequena população, isolada das instituições do país, presa a um ciclo econômico trágico e sem perspectivas, variando do plantio de algodão à cerâmica primitiva. O curta é considerado um dos precursores do Cinema Novo.

:: A VELHA A FIAR
De Humberto Mauro
(RJ, 1964, fic, pb, 6 minutos)
Ilustração da antiga canção popular do interior do Brasil, utilizando tipos e costumes das velhas fazendas em decadência.

:: Ô XENTE, POIS NÃO
De Joaquim Assis
(PE/RJ, 1973, doc, cor, 22 minutos)
Ô xente, pois não é um documentário sobre lavradores da localidade de Salgadinho, perto de Garanhuns, em Pernambuco. Resultou essencialmente de longas e livres conversas, durante cerca de 15 dias, com aproximadamente dez famílias que lutavam contra toda sorte de dificuldades, entre elas a seca. O filme tenta passar ao espectador a sabedoria das pessoas em questão e a fraternidade que as unia. Do ponto de vista formal, Ô xente, pois não é um entrelaçamento musical das falas daquela gente com as imagens de seu cotidiano.

:: BRASÍLIA: CONTRADIÇÕES DE UMA CIDADE NOVA
De Joaquim Pedro de Andrade
(DF/RJ, 1967, doc, cor, 23 minutos)
Imagens de Brasília em seu sexto ano e entrevistas com diferentes categorias de habitantes da capital. Uma pergunta estrutura o documentário: uma cidade inteiramente planejada, criada em nome do desenvolvimento nacional e da democratização da sociedade, poderia reproduzir as desigualdades e a opressão existentes em outras regiões do país?

:: ILHA DAS FLORES
De Jorge Furtado
(RS, 1989, doc, cor, 12 minutos)
Um tomate é plantado, colhido, transportado e colocado à venda num supermercado, mas apodrece e acaba no lixo. Acaba? Não. Ilha das Flores segue-o até seu verdadeiro final, entre animais, lixo, mulheres e crianças. E então fica clara a diferença que existe entre tomates, porcos e seres humanos.


Data: Sexta, 5 de setembro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00

ENTRADA FRANCA



CICLOS DE UMA VIDA PRIMITIVA
Por Marcelo Miranda

A idéia de um ciclo sem fim parece ser a sina dos problemas do Brasil. Tudo começa num ponto crítico para, após várias voltas, retornar ao mesmo ponto crítico, e assim indefinidamente. Este programa Clássicos e Modernos reúne cinco curtas-metragens seminais no desenvolvimento do cinema brasileiro, mas vai além: serve de ilustração para o tal ciclo, ao qual o povo do país está sujeito. Cada cineasta aqui presente, a seu modo, lida com a noção de que a população em geral vive em universos próprios, alheia da riqueza e largada das políticas sociais. “Uma vida primitiva”, fala-se em Aruanda.

Justamente Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, talvez seja a súmula de todos eles. Precursor do Cinema Novo, influenciador de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, o paraibano Noronha foi atrás de antigas comunidades negras do interior do seu Estado. Em imagens de forte poder lírico e simbólico, o filme acompanha o êxodo de uma família e seu recomeço – desde a construção da nova casa até a fabricação de objetos em cerâmica, momentos desde sempre antológicos. Aqui, a idéia de ciclo já aparece: os personagens saem de um ambiente e fixam-se em outro apenas por sobrevivência, pois tudo continuará igual.

A velha a fiar (1964) é o menos politizado dos filmes, o que não significa que seja indiferente à realidade que retrata. Utilizando com maestria a cantiga que dá título ao curta, o mineiro Humberto Mauro faz uma brincadeira sucinta e direta para falar sobre a insistência do sertanejo e do povo humilde naquilo em que acreditam. Por mais que haja fatores externos a atrapalhar, sempre haverá a luta – tudo mostrado por Mauro num exercício de montagem de incrível e irresistível empatia.

Por outro lado, Brasília: contradições de uma cidade nova (1967), do carioca Joaquim Pedro de Andrade, vai diretamente ao centro do poder nacional tentar entender esse mistério chamado Brasil. Na então recém-inaugurada capital, o diretor realiza o inventário do que seja Brasília naquele momento histórico – isso, a partir do olhar de quem se mudou para lá acreditando numa vida mais promissora. É filme de investigação, que parte de uma questão ainda não muito clara (Brasília é um retrato do Brasil?) para perceber que, naquele lugar tão milimetricamente planejado, está fincada boa parte das contradições aludidas no título do curta.

Ô xente, pois não, de Joaquim Assis, guarda sua força no discurso de trabalhadores rurais de Pernambuco em choque com as imagens captadas pela câmera. As falas completam o registro, e o registro completa as falas, nos planos detalhados dos trabalhadores em questão. É o filme que mais diretamente transmite outra noção muito precisa dos demais no programa: personagens em conflito com os ambientes onde vivem. É um enfrentamento contínuo contra as adversidades surgidas por ações externas e pelo contexto político, econômico e social no qual essas pessoas estão inseridas.

É o que ainda se vê em Ilha das Flores (1989), do gaúcho Jorge Furtado. Por uma linguagem hoje tornada pop pelo próprio realizador (cujo filme mais famoso é O homem que copiava), o curta parte de um conceito de humor e vai, literalmente, adentrar nas entranhas de uma comunidade que vive do lixo em Porto Alegre. O filme parece exalar um certo ar de pós-modernidade com ânsia de atingir a quem o vê através das fragilidades e contradições do próprio espectador. É um ponto de chegada curioso para um ciclo iniciado no interior da subdesenvolvida Paraíba (Aruanda) e finalizado na periferia da moderna Porto Alegre (Ilha das Flores).




Fique ligado nos próximos filmes:

qui 11/09 (anexo) – “Durval Discos” e “A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti”

sex 12/09 (cinema) – Curtas-metragens: Animações


qui 18/09 (anexo) – “Samba Riachão” e “O catedrático do samba”

sex 19/09 (cinema) – Curtas-metragens: Cine Samba 2


qui 25/09 (anexo) – “O Rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas” e “O último raio de sol”

sex 26/09 (cinema) – Curtas-metragens: Violência Urbana





O ComCine UFOP

Criado em 2004, o ComCine – Comitê de Cinema da Universidade Federal de Ouro Preto, é um grupo formado por pessoas de diversas áreas da universidade (alunos, professores e funcionários) e também da comunidade externa, reunidos todos pela admiração ao cinema. Seu principal objetivo é servir como fórum de discussão sobre o audiovisual, considerando a sua produção, circulação e recepção. Trabalha levando o melhor do cinema às pessoas, num processo de formação de público e olhar crítico. Em 2006, o Conselho Universitário (CUNI) aprovou seu regimento interno, reconhecendo-o como espaço privilegiado de discussão e deliberação sobre o audiovisual na UFOP.

Entre suas atividades, destacamos a curadoria da área de Artes Visuais (cinema, vídeo, fotografia) do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2007 e 2008, além da elaboração de mostras regulares ao longo do ano, compostas por filmes temáticos e alternativos, em sessões gratuitas e, por vezes, itinerantes, nestas mesmas cidades.

As reuniões são abertas a todos os interessados, para, entre uma discussão e outra, planejar mostras gratuitas, sugerir filmes para a programação do Cine-Teatro Vila Rica – o qual faz parte do patrimônio da UFOP – e criar novas idéias para estimular a comunidade a interessar-se por esta que é chamada a Sétima Arte.