O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine deste segundo semestre de 2008. Agora com uma novidade: um novo ponto de exibição, em parceria com o Museu da Inconfidência de Ouro Preto.
Serão duas sessões diferentes por semana, todas com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro: às quintas-feiras, 19h30min, no Anexo do Museu da Inconfidência, e às sextas-feiras, 23h, no Cine-Teatro Vila Rica. Todas as sessões têm entrada gratuita.
Nesta quinta-feira:
:: MACUNAÍMA
De Joaquim Pedro de Andrade
(RJ, 1969, ficção, cor, 105 minutos)
Macunaíma é a história de um anti-herói, ou “um herói sem nenhum caráter”, nascido no fundo da mata virgem. De preto vira branco e troca a mata pela cidade, onde vive incríveis aventuras, acompanhado de seus irmãos. Na cidade, segue um caminho zombeteiro, conhecendo e amando a guerrilheira Ci e enfrentando o vilão milionário, Venceslau Pietro Pietra, para reconquistar o amuleto que herdara de Ci, o muiraquitã.
Com a adaptação da rapsódia de Mário de Andrade, Macunaíma inova a estética do movimento cinemanovista ao incorporar elementos da chanchada, através da atuação de Grande Otelo, e transfigurar fatos da vida política, que invadem o relato épico das andanças de seu protagonista entre figuras da mitologia popular brasileira. Filme emblemático do final da década de 1960, Macunaíma atualiza o legado do Modernismo e estabelece a tão buscada relação do Cinema Novo com o grande público.
Data: Quinta, 4 de setembro
Local: Anexo do Museu da Inconfidência
Hora: 19:30
ENTRADA FRANCA
QUEBRANDO PARADIGMAS PELA GRAÇA
Por Luiz Joaquim
Não há como evitar o riso logo na primeira imagem projetada por Macunaíma, a adaptação realizada por Joaquim Pedro de Andrade em 1969 para o homônimo romance modernista escrito por Mário de Andrade em 1928. É um riso que vem pelo absurdo da situação mostrada, com Paulo José aos berros, travestido como uma velha a parir o bebê Grande Otelo; e é um riso que encontra mais fôlego no despojamento das relações entre si e com o universo que cerca os personagens brasileiros em foco no filme.
Quatro décadas separam a obra literária da cinematográfica e cada uma, a seu modo e em seu terreno de funcionamento, quebrou paradigmas narrativos e discursivos. Se no romance Mário de Andrade chamava a atenção para as raízes do Brasil e seu folclore, tentando imitar na escrita o modo de falar e os provérbios do brasileiro (“sonhei que caía meu dente, é morte de parente”) e assim desvinculando-se do Romantismo, o filme de Joaquim Pedro é reconhecido como um dos derradeiros representantes do Cinema Novo, mas utilizando-se de concepções estética rejeitadas pelo movimento e com características mais próximas da Chanchada. O humor é seu bastião maior para sugerir uma reflexão sobre a realidade brasileira.
O resultado foi espetacular. Macunaíma foi considerado por muitos (crítica e público) o melhor filme brasileiro de 1969. Além de eleito melhor filme no Festival de Mar del Plata e de Brasília (onde arrebatou também os troféus Candangos de cenografia, figurino e melhor ator para Grande Otelo e coadjuvante para Jardel Filho), a obra ficou por quase um ano em cartaz circulando pelo País, levando multidões aos cinemas.
A popularidade vinha pelas gargalhadas e as gargalhadas vinham pela identificação com o “herói de nossa gente” e suas presepadas. É um Macunaíma negro (Grande Otelo), que pula de felicidade ao ficar branco (Paulo José) quando passa por uma fonte milagrosa, e cujo expressão preferida é “Ai, que preguiça!”. O “nosso herói” é um sem caráter que adora dinheiro e as sem-vergonhices do sexo, além de sua rede (não necessariamente nesta ordem).
Sob uma trilha sonora que oferece de Francisco Alves e Silvio Caldas até Roberto Carlos e Jorge Ben, e apoiado por um elenco estupendo, orientado para encontrar na extravagância da caricatura a expressão adequada a compor está fábula, Joaquim Pedro consegue criar uma atmosfera única no cinema nacional. Fala do Brasil e do brasileiro fazendo-o rir de sua moral, virtude e vício.
Seja quando Macunaíma é perseguido pelo Curupira a gritar “carne da minha perna”; seja no discurso em praça pública num “feriado inventado” – quando nosso herói se rebela dizendo que o símbolo do Brasil não são as estrelas do Cruzeiro do Sul, mas sim o futebol, o maruím, a muriçoca, a frieira e a espinhela-caída –; ou seja ainda no candomblé, através do qual se vinga do burguês antropofágico Venceslau Pietro Pietra (Jardel Filho), é o Brasil que está a desfilar na nossa frente em sua forma mais autêntica e corajosa.
Na sexta-feira...
Curtas-metragens: CLÁSSICOS E MODERNOS
Esta seleção apresenta obras assinadas por importantes nomes da cinematografia brasileira, como o mestre pioneiro Humberto Mauro. Estão presentes também o cinemanovista Joaquim Pedro de Andrade e um dos diretores mais aclamados da atualidade, Jorge Furtado, além do paraibano Linduarte Noronha e do carioca Joaquim Assis, responsáveis por dois clássicos do documentário nacional.
Tempo total: 85 minutos.
:: ARUANDA
De Linduarte Noronha
(PB, 1960, doc, pb, 22 minutos)
A história de um quilombo, formado em meados do século XIX, por escravos libertos no sertão da Paraíba. O filme, da mesma época da inauguração de Brasília, mostra uma pequena população, isolada das instituições do país, presa a um ciclo econômico trágico e sem perspectivas, variando do plantio de algodão à cerâmica primitiva. O curta é considerado um dos precursores do Cinema Novo.
:: A VELHA A FIAR
De Humberto Mauro
(RJ, 1964, fic, pb, 6 minutos)
Ilustração da antiga canção popular do interior do Brasil, utilizando tipos e costumes das velhas fazendas em decadência.
:: Ô XENTE, POIS NÃO
De Joaquim Assis
(PE/RJ, 1973, doc, cor, 22 minutos)
Ô xente, pois não é um documentário sobre lavradores da localidade de Salgadinho, perto de Garanhuns, em Pernambuco. Resultou essencialmente de longas e livres conversas, durante cerca de 15 dias, com aproximadamente dez famílias que lutavam contra toda sorte de dificuldades, entre elas a seca. O filme tenta passar ao espectador a sabedoria das pessoas em questão e a fraternidade que as unia. Do ponto de vista formal, Ô xente, pois não é um entrelaçamento musical das falas daquela gente com as imagens de seu cotidiano.
:: BRASÍLIA: CONTRADIÇÕES DE UMA CIDADE NOVA
De Joaquim Pedro de Andrade
(DF/RJ, 1967, doc, cor, 23 minutos)
Imagens de Brasília em seu sexto ano e entrevistas com diferentes categorias de habitantes da capital. Uma pergunta estrutura o documentário: uma cidade inteiramente planejada, criada em nome do desenvolvimento nacional e da democratização da sociedade, poderia reproduzir as desigualdades e a opressão existentes em outras regiões do país?
:: ILHA DAS FLORES
De Jorge Furtado
(RS, 1989, doc, cor, 12 minutos)
Um tomate é plantado, colhido, transportado e colocado à venda num supermercado, mas apodrece e acaba no lixo. Acaba? Não. Ilha das Flores segue-o até seu verdadeiro final, entre animais, lixo, mulheres e crianças. E então fica clara a diferença que existe entre tomates, porcos e seres humanos.
Data: Sexta, 5 de setembro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00
ENTRADA FRANCA
CICLOS DE UMA VIDA PRIMITIVA
Por Marcelo Miranda
A idéia de um ciclo sem fim parece ser a sina dos problemas do Brasil. Tudo começa num ponto crítico para, após várias voltas, retornar ao mesmo ponto crítico, e assim indefinidamente. Este programa Clássicos e Modernos reúne cinco curtas-metragens seminais no desenvolvimento do cinema brasileiro, mas vai além: serve de ilustração para o tal ciclo, ao qual o povo do país está sujeito. Cada cineasta aqui presente, a seu modo, lida com a noção de que a população em geral vive em universos próprios, alheia da riqueza e largada das políticas sociais. “Uma vida primitiva”, fala-se em Aruanda.
Justamente Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, talvez seja a súmula de todos eles. Precursor do Cinema Novo, influenciador de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, o paraibano Noronha foi atrás de antigas comunidades negras do interior do seu Estado. Em imagens de forte poder lírico e simbólico, o filme acompanha o êxodo de uma família e seu recomeço – desde a construção da nova casa até a fabricação de objetos em cerâmica, momentos desde sempre antológicos. Aqui, a idéia de ciclo já aparece: os personagens saem de um ambiente e fixam-se em outro apenas por sobrevivência, pois tudo continuará igual.
A velha a fiar (1964) é o menos politizado dos filmes, o que não significa que seja indiferente à realidade que retrata. Utilizando com maestria a cantiga que dá título ao curta, o mineiro Humberto Mauro faz uma brincadeira sucinta e direta para falar sobre a insistência do sertanejo e do povo humilde naquilo em que acreditam. Por mais que haja fatores externos a atrapalhar, sempre haverá a luta – tudo mostrado por Mauro num exercício de montagem de incrível e irresistível empatia.
Por outro lado, Brasília: contradições de uma cidade nova (1967), do carioca Joaquim Pedro de Andrade, vai diretamente ao centro do poder nacional tentar entender esse mistério chamado Brasil. Na então recém-inaugurada capital, o diretor realiza o inventário do que seja Brasília naquele momento histórico – isso, a partir do olhar de quem se mudou para lá acreditando numa vida mais promissora. É filme de investigação, que parte de uma questão ainda não muito clara (Brasília é um retrato do Brasil?) para perceber que, naquele lugar tão milimetricamente planejado, está fincada boa parte das contradições aludidas no título do curta.
Ô xente, pois não, de Joaquim Assis, guarda sua força no discurso de trabalhadores rurais de Pernambuco em choque com as imagens captadas pela câmera. As falas completam o registro, e o registro completa as falas, nos planos detalhados dos trabalhadores em questão. É o filme que mais diretamente transmite outra noção muito precisa dos demais no programa: personagens em conflito com os ambientes onde vivem. É um enfrentamento contínuo contra as adversidades surgidas por ações externas e pelo contexto político, econômico e social no qual essas pessoas estão inseridas.
É o que ainda se vê em Ilha das Flores (1989), do gaúcho Jorge Furtado. Por uma linguagem hoje tornada pop pelo próprio realizador (cujo filme mais famoso é O homem que copiava), o curta parte de um conceito de humor e vai, literalmente, adentrar nas entranhas de uma comunidade que vive do lixo em Porto Alegre. O filme parece exalar um certo ar de pós-modernidade com ânsia de atingir a quem o vê através das fragilidades e contradições do próprio espectador. É um ponto de chegada curioso para um ciclo iniciado no interior da subdesenvolvida Paraíba (Aruanda) e finalizado na periferia da moderna Porto Alegre (Ilha das Flores).
Fique ligado nos próximos filmes:
qui 11/09 (anexo) – “Durval Discos” e “A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti”
sex 12/09 (cinema) – Curtas-metragens: Animações
qui 18/09 (anexo) – “Samba Riachão” e “O catedrático do samba”
sex 19/09 (cinema) – Curtas-metragens: Cine Samba 2
qui 25/09 (anexo) – “O Rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas” e “O último raio de sol”
sex 26/09 (cinema) – Curtas-metragens: Violência Urbana
O ComCine UFOP
Criado em 2004, o ComCine – Comitê de Cinema da Universidade Federal de Ouro Preto, é um grupo formado por pessoas de diversas áreas da universidade (alunos, professores e funcionários) e também da comunidade externa, reunidos todos pela admiração ao cinema. Seu principal objetivo é servir como fórum de discussão sobre o audiovisual, considerando a sua produção, circulação e recepção. Trabalha levando o melhor do cinema às pessoas, num processo de formação de público e olhar crítico. Em 2006, o Conselho Universitário (CUNI) aprovou seu regimento interno, reconhecendo-o como espaço privilegiado de discussão e deliberação sobre o audiovisual na UFOP.
Entre suas atividades, destacamos a curadoria da área de Artes Visuais (cinema, vídeo, fotografia) do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2007 e 2008, além da elaboração de mostras regulares ao longo do ano, compostas por filmes temáticos e alternativos, em sessões gratuitas e, por vezes, itinerantes, nestas mesmas cidades.
As reuniões são abertas a todos os interessados, para, entre uma discussão e outra, planejar mostras gratuitas, sugerir filmes para a programação do Cine-Teatro Vila Rica – o qual faz parte do patrimônio da UFOP – e criar novas idéias para estimular a comunidade a interessar-se por esta que é chamada a Sétima Arte.
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3 comentários:
Pessoal, achei ótima a programação, mas gostaria de sugerir, mesmo sabendo que talvez não seja possível por N motivos, que os eventos como esses pudessem ser realizados no fim de semana, pois eu, por exemplo, estudo no período noturno, além do curso ser em Mariana.
Valeu pela atenção.
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