quinta-feira, 26 de junho de 2008

AMARELO MANGA / A CANGA



O Comitê Aberto de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a mostra de filmes brasileiros do primeiro pacote da Programadora Brasil. As sessões são gratuitas, acontecendo todas as sextas-feiras, às 23 horas, no Cine-Teatro Vila Rica.

Nesta semana, dois filmes: um curta-metragem e, logo em seguida, um longa. Estes filmes são ótimos exemplares do atual e polêmico cinema nordestino. Com imagens fortes e belíssimas, os dois títulos são fotografados por Walter Carvalho. São eles:


A CANGA

De Marcus Vilar
(PB, 2001, ficção, cor, 12 minutos)

Este curta-metragem constrói sua ambientação numa lavoura atingida pela seca em pleno sertão paraibano, onde o patriarca de uma família obriga a mulher, os filhos e a nora a colocar nos ombros uma canga de boi, fazendo-os trabalhar como animais.


AMARELO MANGA

De Cláudio Assis
(PE, 2003, ficção, cor, 100 minutos)


Guiados pela paixão, os personagens deste longa vão penetrando num universo feito de armadilhas e vinganças, de desejos irrealizáveis, da busca incessante da felicidade. O universo aqui é o da vida-satélite e dos tipos que giram em torno de órbitas próprias, colorindo a vida de um amarelo hepático e pulsante. Não o amarelo do ouro, do brilho e das riquezas, mas o amarelo do embaçamento do dia-a-dia e do envelhecimento das coisas postas. Um amarelo-manga, farto. “Amarelo Manga” é um retrato visceral e naturalista do baixo mundo da cidade do Recife feito a partir de uma narrativa solta, sem contornos claros, e personagens marcadas pelo universo do dramaturgo Nelson Rodrigues.


Data: Sexta-feira, 27 de junho
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00


ENTRADA FRANCA



NATURALISMO NA MEDIDA
Por Tiago Mata Machado

O longa “Amarelo Manga” (Cláudio Assis, 2003) e o curta “A Canga” (Marcus Vilar, 2001), as duas atrações deste programa, guardam, além da região de origem, algo mais em comum: o viés naturalista com que se debruçam sobre seus personagens.

As duas obras seguem o clássico roteiro naturalista: num meio social delimitado (necessariamente estereotipado), homens presos aos seus instintos (às pulsões do corpo) reencontram o mundo originário dos bichos.

Em “A Canga”, a situação já se encontra sintetizada no plano de abertura: uma família é conduzida a chicotadas pela tirânica figura paterna (W. J. Solha, autor do conto que deu origem ao filme). Aos filhos, à mulher e à nora o pai impõe a canga, instrumento destinado usualmente a cavalos e bois no arado da terra. A representação que o filme empresta aos personagens parece confundir-se com a visão do pai – se não bovinamente passivos, os familiares comportam-se como vira-latas hidrófobos.

Em “Amarelo Manga”, desde o plano de abertura, o ponto de vista mais recorrente da câmera de Assis, acima dos personagens e do ambiente em que vivem, encerra uma lógica naturalista precisa, um olhar quase científico sobre homens reféns da própria bestialidade. Do bar à pensão, da pensão ao abatedouro: vistos de cima, os cenários se equivalem. Assis filma os homens como bestas num abatedouro. O único personagem capaz de transcender essa prisão dos instintos, um padre sem fé nem fiéis, mas cheio de filosofia, é quem sintetiza, numa fala, a visão naturalista do filme. “O ser humano é estômago e sexo”.

A narrativa segue a lógica das construções da perversão. Cada personagem é tomado construindo a sua: necrofilia, adultério, sodomia e pudor (“a forma mais inteligente de perversão”, diz o próprio autor, em participação especial, à personagem crente de Dirá Paes). O filme avança entre acontecimentos sangüíneos (uma sucessão de faits divers) e momentos de montagem tonal em que a vida parece retornar os eixos.

Jonas Bloch faz um traficante velho de guerra às voltas com vícios necrófilos. Chico Diaz é o jovem do abatedouro que trai a esposa crente com a amiga, o homem dos sonhos de Dunga (Matheus Nachtergaele), o mefistotélico faxineiro do Texas Hotel. Leona Cavalli é a dona do bar “copo sujo” da esquina, sempre à beira da histeria. Sua vulva amarelo manga é a imagem-síntese do filme. Cláudio Assis é um cineasta que não teme os excessos, virtude cada vez mais rara no cinema nacional.

Sua obra, nesse sentido, faz mais jus à herança do cinema moderno brasileiro (do barroco nacional-popular glauberiano ao marginal grotesco e primitivista de Ozualdo Candeias) do que a maior parte das incursões do chamado cinema da retomada no território mítico nordestino. Mas já não resta nos seus personagens nenhum traço de transcendência, nem o ideário torturado cinemanovista, nem o heroísmo avacalhado e tropicalista do udigrude. Restam o determinismo dos instintos e um naturalismo que até certo ponto limita a vida e a verdadeira autonomia dos personagens.



Na semana que vem, o último filme desta mostra:

sex 04/07 – "Super Outro" (de Edgar Navarro)




Vem aí o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2008, com extensa programação de filmes, além de espetáculos, exposições e oficinas! Em breve a programação estará disponível no site:http://www.festivaldeinverno.ufop.br/2008/

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