quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O HOMEM QUE VIROU SUCO

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam o último filme do Cineclube ComCine deste ano. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.




Nesta semana:


Histórias populares do Nordeste estão neste programa composto de dois filmes realizados na mesma época. São as histórias transmitidas oralmente que eventualmente se transformam em literatura de cordel e em canções. A animação pernambucana A saga da Asa Branca ilustra, em estilo de cordel, a célebre toada Asa Branca, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, gravada pelo rei do baião pela primeira vez em 1947. Também em estilo de cordel, O homem que virou suco é um dos filmes mais contundentes e fascinantes sobre o tema da migração nordestina para São Paulo. Nele, o ator José Dumont desempenha duplo papel, de dois migrantes em que um assassino e um cantador são confundidos. Diversão e reflexão.


:: A SAGA DA ASA BRANCA

De Lula Gonzaga

(RJ, 1979, animação, cor, 7 minutos)


[CURTA] Asa Branca é um pássaro de arribação que voa do sertão quando percebe que a seca vai chegar. O filme é um "semi-documentário" em desenho animado, que retrata o pássaro e o sertanejo com sua mulher (Bernardino e Rosinha), partindo da sua terra com a chegada da estiagem. Com texto e narração de Humberto Teixeira, compositor da música Asa Branca, foi este o único trabalho de Humberto no cinema e também seu último trabalho. Na trilha sonora, o arranjo sinfônico do maestro Guerra Peixe.
:: O HOMEM QUE VIROU SUCO

De João Batista de Andrade

(SP, 1979, ficção, cor, 97 minutos)


[LONGA] A história segue Deraldo, um poeta popular nordestino recém chegado a São Paulo, onde tenta sobreviver de sua poesia e folhetos. Confundido com o operário de uma multinacional que mata o patrão, é perseguido pela polícia e perde sua identidade e condição de cidadão. Através de Deraldo, o filme acompanha o caminho do trabalhador migrante numa cidade grande: a construção civil, os serviços domésticos e subempregos sujeitos à violência e à humilhação. E segue a luta de Deraldo para reconquistar sua liberdade e preservar sua identidade.



Data: Sexta, 05 de dezembro

Local: Cine-Teatro Vila Rica

Hora: 23:00


ENTRADA FRANCA





CLÁSSICO E POPULAR

Por Carlos Alberto Mattos



O Homem que virou suco é exemplo típico - e um dos melhores - de um conjunto de operações que o cinema brasileiro fazia na segunda metade da década de 1970 para estabelecer um diálogo melhor com o público, sem trair as conquistas estéticas do Cinema Novo e do Cinema Marginal.


Para começar, o filme reelabora padrões da narrativa clássica com ingredientes de um cinema popular. Basicamente, é a história do duplo (expressionismo alemão) e do homem errado (policial estadunidense) que se desenrola entre Severino e Deraldo, os dois sósias nordestinos envolvidos num equívoco criminal. O tema igualmente clássico do imigrante é tratado desde o título, e em toda sua extensão, como material de literatura de cordel. Assim o diretor procura fundir seu filme com formas de representação características do povo nordestino.


Naquele período, o cinema brasileiro também experimentava uma crescente simbiose entre práticas do documentário e da ficção, num movimento iniciado por Iracema - Uma transa amazônica, em 1974, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. Daí a importância da improvisação nos diálogos, de uma relação especialmente livre entre câmera e atores e até de uma certa submissão da técnica às condições do local de filmagem.


Por fim, vemos um diretor que não abre mão de seu passado. É nas seqüências de rua que João Batista de Andrade semeia os ecos de sua militância no cinema marginal paulista anos antes, quando era comum promover-se performances em praça pública para que o filme absorvesse o inesperado da participação popular.


Esta denúncia do esmagamento dos deraldos e severinos, seja pela marginalização, seja pela inserção aviltante, conta com a sensibilidade do diretor para criar uma poética em meio ao drama e à comédia. As cenas da batida policial noturna e da leitura da carta no alojamento dos operários são reveladoras de um olhar humanista que transcende toda urgência e objetividade.


A presença de José Dumont, no filme que o revelou plenamente, extrapola a mera questão cênica. No fundo, é o próprio ator que está na pele de Deraldo, ele que também chegou da Paraíba sem documentos e soube se impor pelas artes do talento. Coisa semelhante se passou com o próprio filme, lançado em 1980 sem maior repercussão e “redescoberto” pelos brasileiros depois de vencer ex-aequo o Festival de Moscou. O suco, portanto, só veio depois da vodka.


O curta que complementa este programa reverbera o tema da imigração a partir de outro ícone da cultura nordestina: a canção Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Uma animação naïf, mas expressiva, reitera o drama da fuga para um sonho impossível.

Colabore na escolha dos filmes do Cineclube ComCine de 2009, votando nas enquetes disponíveis em nosso blog e em nossa comunidade do orkut!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A LIRA DO DELÍRIO

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine do final deste ano. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.






Nesta semana:

Assim como o futebol, o Carnaval é uma parte constitutiva essencial do imaginário brasileiro. Curiosamente, no entanto, são dois fenômenos que o cinema brasileiro de ficção poucas vezes conseguiu filmar com a intensidade de sentimento que os fenômenos congregam. Uma das exceções certamente é este A Lira do Delírio, onde Walter Lima Jr. incorpora à própria estrutura e forma do filme uma tamanha liberdade que acabou transformando a experiência de realizá-lo, assim como a de assisti-lo, em algo próximo do êxtase e da perda de sentidos típicos da folia momesca. Triste e alegre, como o Carnaval, o filme marca ainda a última atuação de Anecy Rocha, falecida ainda antes da montagem ser concluída, e que reluz com especial brilho na tela.


:: A LIRA DO DELÍRIO

De Walter Lima Júnior
(RJ, 1978, fic, cor, 105 minutos)


No intervalo entre dois carnavais de um bloco de Niterói, uma “taxi-girl”, Ness Elliot, se envolve com um rico e ciumento amante. Para submetê-la à sua vontade, ele tenta os mais diversos artifícios, como a tentativa de transformá-la numa traficante de tóxicos e o seqüestro de seu bebê. Desesperada mas firme, ela procura ajuda de antigos companheiros do bloco de sujos Lira do Delírio.



Data: Sexta, 28 de novembro

Local: Cine-Teatro Vila Rica

Hora: 23:00


ENTRADA FRANCA




CONTOS DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Por Rodrigo de Oliveira


Nem toda a alegria impregnada em A Lira do Delírio pelas imagens festivas de um bloco de carnaval marchando pela rua, nem mesmo a figura risonha de Paulo César Pereio pairando fantasmático sobre estas imagens, podem esconder o sereno pesar anunciado pelo texto que ouvimos na abertura. É o próprio Pereio que apresenta aquele universo de exaltação, lembrando que a efemeridade faz parte de sua natureza íntima.


Dita desta maneira, num tom que parece evocar uma voz do além, talvez esse chamado à realidade soe profético. No entanto, A Lira do Delírio não é um exercício de prospecção, mas um sincero inventário das ilusões. Olha-se para o Carnaval com uma frontalidade que talvez nenhum outro filme brasileiro jamais tenha alcançado; é porque não se apega ao pequeno universo que, durante quatro dias do ano, forja um espaço idílico para a fantasia de todos nós. O delírio só pode ser vivido em sua plenitude se houver a consciência de que a quarta-feira de cinzas está logo adiante: nem toda a alegria consegue evitar o desencanto, a ressaca.


Em 1973, Walter Lima Jr., seus atores e uma equipe mínima saíram pelas ruas do centro de Niterói dispostos a mergulhar de cabeça no desfile de blocos. Não havia personagens ainda, apenas atores fantasiados, interagindo com a vida real. Estas são as imagens granuladas e saturadas que aparecem no começo, e depois pontuam a narrativa. Cinco anos depois, o diretor retorna a esse material semidocumental e tenta alinhavá-lo dentro de um enredo. O primeiro corte de um momento a outro dá a dimensão exata do que se passou nesse intervalo. Saímos do encontro animado entre uma foliã e seu cortejador para, num salto, reencontrá-los numa boate, agora já como Nessi Elliot e Cláudio, uma táxi-girl e um malandro da noite. O que antes se mostrava uma franca e desmedida partilha de afetos agora se tornou uma relação comercial, racionalizada pelos papéis que ambos assumiram ao longo dos anos, uma barreira sentimental intransponível.


É uma ressaca moral, antes de qualquer coisa. Em A Lira do Delírio tudo parece mergulhado na mais pura dubiedade. Por trás de uma aparente planificação narrativa, onde se assumem algumas das regras mais clássicas do cinema de gênero (trens misteriosos, seqüestro de bebês, incêndios criminosos, maletas com dinheiro, prostitutas solitárias e um universo masculino entre o protetor e o opressor), surge um senso de profundidade revelador. Mais que improviso, o que há em A Lira do Delírio é uma verdadeira dramaturgia do risco de real. Que os personagens assumam os nomes dos atores que os interpretam, que as situações dramáticas não sejam planejadas num roteiro, mas estimuladas por um diretor que liga a câmera e se dispõe a transformar em cena o que quer que surja nessa arena aberta, tudo isso não trabalha em nome da simplificação do processo, onde a espontaneidade funcionaria como aliviadora das tensões. Pelo contrário: somos constantemente desafiados a encarar o perigo de viver, de sentir. E se o Carnaval é um momento próprio à inversão de papéis, que cada máscara vestida não sirva para esconder quem está debaixo dela, mas sim para adicionar àquela personalidade um traço de caráter que a torne ainda mais complexa.


Tudo recomeça na quarta-feira de cinzas, como Pereio anuncia no final, “e o carnaval passado deixou marcas profundas demais para serem ignoradas”. Num país que estava a um ano de ver a anistia de seus exilados, e que ainda não conseguira calcular os mortos e desaparecidos nos porões da ditadura, a experiência da ressaca parecia tão fundamental e necessária quanto a incontornável vontade de enxergar algum lirismo em meio a todo aquele caos delirante.





Próximo filme do Cineclube ComCine em 2008:


sex 05/12 – O Homem que Virou Suco (de João Batista de Andrade) e A Saga da Asa Branca (de Lula Gonzaga)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

TUDO BEM

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine do final deste ano. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.




Nesta semana:


Concentrado num apartamento de Copacabana em reformas, e abordando o conflito de classes com humor corrosivo e surrealista, Tudo bem sintetiza as mazelas do país e assimila com brilho e inspiração influências do cineasta Luis Buñuel e do escritor Nelson Rodrigues. O filme, grande vencedor do Festival de Brasília, conta com elenco de primeira linha – com destaque para Paulo Gracindo, Fernanda Montenegro e Zezé Motta – e ótima trilha sonora que mistura cânticos do Alto Xingu a Giuseppe Verdi e Igor Stravinsky.



:: TUDO BEM

De Arnaldo Jabor

(RJ, 1978, fic, cor, 110 minutos)


Uma família de classe média do Rio de Janeiro decide reformar o apartamento para o noivado da filha, que só pensa em se casar. O pai é funcionário público aposentado e perdeu o interesse pela mãe, que sofre com a rejeição. O filho é um executivo oportunista. Duas empregadas domésticas completam o quadro de moradores, que têm seu cotidiano totalmente alterado com a chegada dos trabalhadores. Em meio às obras, todos os habitantes desse microcosmo de conflitos sociais vão revelando suas particularidades.



Data: Sexta, 21 de novembro

Local: Cine-Teatro Vila Rica

Hora: 23:00


ENTRADA FRANCA






O PAÍS NA SALA DE JANTAR

Por Marcus Mello



Expoente da segunda fase do Cinema Novo, Arnaldo Jabor iniciou sua carreira como documentarista com o excelente Opinião Pública (1967), mas é na ficção que este diretor carioca nascido em 1940 vai encontrar sua verdadeira vocação. Entre o início dos anos 1970 e a primeira metade dos anos 1980, Jabor produziu uma série de filmes marcantes, combinando um forte traço autoral com uma ampla capacidade de comunicação com as platéias. Se o alegórico Pindorama (1973), sua estréia na ficção, desagradou tanto à crítica quanto ao público, a recuperação viria com Toda a nudez será castigada (1973) e O casamento (1978), vigorosas adaptações cinematográficas de Nelson Rodrigues, que asseguraram uma consagração imediata ao então jovem diretor (admiração compartilhada pelo próprio Nelson Rodrigues).


Tudo bem (1978) dá início a um tríptico de filmes, conhecido como a “Trilogia do apartamento”, que teria continuidade com Eu te amo (1980) e Eu sei que vou te amar (1984). Trata-se de um projeto ambicioso, e muito bem-sucedido, visto por inúmeros críticos como a obra-prima de Jabor. A trama acompanha os percalços de uma família de classe média envolvida na reforma de seu apartamento em Copacabana. O pai, o funcionário público aposentado Juarez Barata (Paulo Gracindo), a esposa insatisfeita sexualmente (Fernanda Montenegro), a filha que só pensa em casar (Regina Casé), o filho meio cafajeste (Luiz Fernando Guimarães) e as duas empregadas domésticas da casa (Maria Sílvia e Zezé Motta) têm seu cotidiano alterado pela convivência com o grupo de operários contratados para a obra.


A partir dessa situação até certo ponto banal, Jabor desenha um retrato desconcertante do Brasil, desnudando nossas idiossincrasias e contradições mais profundas. O aspecto alegórico está presente o tempo inteiro, mas sem prejuízo da comunicabilidade, alcançada pela mistura de situações cômicas e absurdas apresentadas pelo roteiro, assinado por Leopoldo Serran em parceria com Jabor, que dialoga diretamente com o universo de Nelson Rodrigues.


A exemplo de alas de uma escola de samba que elegesse como tema as misérias nacionais - a alienação da classe média, o sincretismo religioso, o apartheid social, a invasão do capital estrangeiro, a ressaca do Milagre Econômico, o gosto pela corrupção -, os dramas do País vão desfilando entre as quatro paredes do apartamento da família Barata, num esforço totalizante que procura oferecer ao espectador, através do cinema, uma interpretação do Brasil.


Verborrágico e excessivo, Tudo bem pode ser visto como uma ópera barroca sobre um país de alma doente. O risco de resvalar para a teatralidade, facilitado pela situação de confinamento dos personagens, no entanto, é evitado pela encenação sofisticada de Jabor, que conta ainda a seu favor com o auxílio de um elenco notável de atores, provavelmente o melhor já reunido numa produção brasileira.

Próximos filmes do Cineclube ComCine em 2008:



sex 28/11 – A Lira do Delírio (de Walter Lima Jr.)


sex 05/12 – O Homem que Virou Suco (de João Batista de Andrade) e A Saga da Asa Branca (de Lula Gonzaga)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

BANG BANG / BLÁ BLÁ BLÁ

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine do final deste ano. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.


Nesta semana:


O cinema de Andrea Tonacci é único e sem paralelos dentro do cinema brasileiro. Por mais que se costume localizar seus filmes no cerne do chamado Cinema Marginal, de fato seus trabalhos se diferenciam bastante do que se realizou em torno daquele movimento cinematográfico. Marcado por uma preocupação rigorosa com a linguagem do cinema em seus elementos constitutivos básicos (fotografia, som e, principalmente, a montagem), seu cinema ainda assim revela-se muito pouco formalista e, ao mesmo tempo, extremamente humano e urgente. Com Bang bang e Bla bla bla..., Tonacci nos impõe um paradoxo de enorme beleza: faz um cinema radicalmente atemporal, mas ao mesmo tempo profundamente fincado no momento histórico em que é realizado. Trata-se de uma dupla de filmes essencial para compreender o Brasil da virada dos anos 1960 para os 1970, mas também de hoje e sempre.




:: blá blá blá...


De Andrea Tonacci


(RJ, 1968, fic, pb, 26 minutos)

[CURTA] O sentido do poder e da palavra em crise situam o homem que os manipula numa idêntica crise pessoal, humana. A farsa do discurso de intenção humanista é total e absoluta. Um ditador num momento de uma grave crise nacional, institucional, confrontado na cidade e no campo por revoltas e guerrilha, na busca de uma paz ilusória, faz um longo pronunciamento pela televisão. Mas a realidade impõe-se à sua ficção e o controle da situação escapa-lhe das mãos. Sobra-lhe uma patética confissão antes de ser tirado do ar.







:: BANG BANG


De Andrea Tonacci


(SP, 1970, fic, pb, 85 minutos)

[LONGA] O ator de um filme em realização vive sem distinção a sua realidade pessoal e a ficção de seu personagem. Busca um sentido e uma saída daquela situação enquanto é perseguido por bandidos, um mágico, uma fantasia amorosa, um bêbado, sua auto-imagem.... A comicidade, os motivos da perseguição, as situações, os personagens, a cenografia, os diálogos e a trilha sonora, que utiliza temas conhecidos de outros filmes, remetem a símbolos, metáforas e à recusa da possível lógica narrativa, permitindo ao espectador uma sensação análoga à do personagem central. Uma viagem bem humorada e visualmente moderna.





Data: Sexta, 14 de novembro

Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00



ENTRADA FRANCA










INVENÇÃO SEM LIMITES


Por Marcus Mello

Poucos filmes brasileiros são alvo de um culto tão apaixonado entre os cinéfilos como Bang bang, de Andrea Tonacci. Uma obra concebida sob o signo da irreverência e da liberdade, Bang bang forma, ao lado de O Bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e O pornógrafo (1970), de João Callegaro, a grande tríade metalingüística do cinema paulista produzida na virada dos anos 1960 para os 1970, fortemente inspirada pela obra de Jean-Luc Godard. Era o cinema moderno realizando-se em sua plenitude no Brasil, no auge da ditadura militar.

Nascido na Itália e radicado em São Paulo desde 1953, Andrea Tonacci implode a narrativa clássica em Bang bang, construindo seu filme através de longos planos-seqüência, que encantam pelo insólito das situações, pelo humor e pelo rigor da construção. A trama, ou fiapo de trama, acompanha um homem (Paulo César Pereio) perseguido por três bandidos (um deles travestido) pelas ruas de Belo Horizonte. A influência de Godard manifesta-se de todas as formas em Bang bang, seja pela citação direta ou pela incorporação de elementos estilísticos caros ao diretor franco-suíço, como a preferência pelos travellings ou o uso da metalinguagem. O filme apresenta uma série de seqüências fechadas em si próprias, sem ligação aparente com o que vem a seguir e freqüentemente repetidas com leves alterações, à maneira de variações musicais. O uso recorrente da canção Eu sonhei que tu estavas tão linda, cantada pelos personagens em diferentes momentos da narrativa, acentua esse caráter de composição musical identificado na arquitetura de Bang bang.



Filme de cinema, em que a presença da câmera várias vezes é revelada ao espectador, seja através do reflexo em um espelho ou de um personagem chocando-se contra a lente, Bang bang é um tiro mortal no coração dos acomodados e sem imaginação. Sua invenção não tem limites, provocando momentos da mais alta diversão, dignos de um filme de aventura como Hatari (1959), de Howard Hawks, citado de forma explícita numa das tantas cenas antológicas deste clássico da transgressão.



Bla bla bla... é um notável exemplar do cinema político brasileiro. Esse média-metragem realizado por Andrea Tonacci em 1968 contrapõe imagens de arquivo e seqüências encenadas de um grupo de guerrilheiros em ação ao discurso de um político (Paulo Gracindo) diante das câmeras de televisão. A afirmação de Maiakóvski de que não existe arte revolucionária se a forma não for revolucionária aplica-se com perfeição a Bla bla bla..., um pequeno grande filme que, a seu tempo, anunciou os anos de chumbo a serem enfrentados pelo Brasil depois do AI-5, mas consegue ainda hoje permanecer assustadoramente atual.





Próximos filmes do Cineclube ComCine em 2008:



sex 21/11 – Tudo Bem (de Arnaldo Jabor)



sex 28/11 – A Lira do Delírio (de Walter Lima Jr.)



sex 05/12 – O Homem que Virou Suco (de João Batista de Andrade) e A Saga da Asa Branca (curta de Lula Gonzaga)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

SÃO PAULO S/A

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine do final deste ano. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.



Nesta semana:

:: SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA

De Luiz Sérgio Person
(SP, 1965, fic, pb, 107 minutos)

Grande painel sobre o impacto das transformações sociais e econômicas na cidade de São Paulo provocadas pelo surto da implantação da indústria automobilística no Brasil, sob a ótica de um indivíduo em ascensão. Após casar-se, ter amantes e progredir socialmente, unindo-se a um empresário do setor automobilístico, ele entra em crise e tenta abandonar sua carreira e sua vida conjugal.

Se um dos principais poderes das imagens em movimento é o de capturar e eternizar um espaço e um tempo, poucas vezes o cinema brasileiro fez isso de maneira tão forte quanto no retrato da São Paulo da virada dos anos 1950 para os anos 1960 que Luiz Sérgio Person construiu em “São Paulo S/A”. Num momento em que o cinema nacional voltava seus olhos para o interior e para o sertão para conseguir encontrar uma idéia de brasilidade autêntica, Person vai em busca das angústias existenciais e coletivas de uma classe média urbana, e faz um dos filmes até hoje mais bem-sucedidos na capacidade de mostrar as agruras da vida de um homem absoluta e terrivelmente comum.


Data: Sexta, 07 de novembro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00

ENTRADA FRANCA





A ANGÚSTIA DA CLASSE MÉDIA
Por Luiz Joaquim

Era 1965 quando “São Paulo Sociedade Anônima” chegou aos cinemas. A intelectualidade brasileira ainda estava atordoada com o Cinema Novo que, no ano anterior, o ano do golpe militar, havia definitivamente marcado seu terreno político discursando pelas imagens de Leon Hirszman (“Maioria absoluta”), de Ruy Guerra (“Os fuzis”) e, principalmente, de Glauber Rocha (“Deus e o diabo na terra do sol”).

Como um contraponto a essas vozes, que vinham todas do Rio de Janeiro, Luiz Sérgio Person gritou lá da capital paulista seu primeiro longa-metragem. Tão contestador social quanto os rebentos dos cinemanovistas, “São Paulo S/A” também questionava o modo de vida brasileiro. Seu diferencial temático, entretanto, era mostrar essa perspectiva, a partir do já caótico e angustiado cotidiano da classe média urbana, um segmento até então relegado pelo nosso cinema. Em termos estéticos, o diferencial no filme de Person era abissal.

Tendo voltado do Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma (onde estudou cinema e fez o curta-metragem “Al ladro”, que representou a Itália no Festival de Veneza), Person desenvolveu para “São Paulo Sociedade Anônima” um perfil plástico e narrativo cheio de sofisticação. O mesmo que o havia impressionado na Europa, produzido na segunda metade dos anos 1950 e na primeira metade dos anos 1960. Isso pode ser traduzido mais fortemente nas então correntes estéticas celebradas daquele momento: a Nouvelle Vague francesa o Neo-Realismo italiano – sendo Jean-Luc Godard uma de suas referências na França e o ”poeta da melancolia”, Valério Zurlini, na Itália.

Assim sendo, temos em “São Paulo Sociedade Anônima” o artifício de elipses na narrativa, cortes secos e um tom documental (a linha de montagem da Volkswagen e a corrida de São Silvestre invadem o filme a certa altura) em oposição à encenação precisa de Walmor Chagas e grande elenco. Tudo isso amarrado pela música opressiva de Cláudio Petráglia e pela contrastante fotografia em P&B de Ricardo Aronovich.

Chagas protagonizava pela primeira vez no cinema, e num papel que marcaria sua carreira. Ele fazia Carlos que, dos 25 aos 30 anos, entre 1957 e 1961, viu crescer em si uma angústia esmagadora, impulsionada pela tirania das urgências e regras sociais da urbe, com a industrialização também em franco crescimento naquele período. Daí surge um homem frustrado, que, sem compreender muito bem a razão de sua própria inquietação, passa a enxergar seu destino sob uma ótica nebulosa.

No campo sentimental, Carlos tem três mulheres que, de uma forma ou de outra, acompanham sua trajetória. Luciana (Eva Wilma), com quem se casa por “cansaço e preguiça de escolher coisa melhor”, é o porto seguro para “acertar a vida”. Luciana seria um “igual”, no qual Carlos vê a possibilidade de manter e desenvolver o seu lugar na sociedade. Ana (Darlene Glória) é uma modelo que prefere homens endinheirados. Representa o prazer carnal, mas também a alienação. Já Hilda (Ana Esmeralda) é quem mais perturba Carlos com suas ansiedades, que disfarçam na realidade uma vida vazia. Vazia como aquela de que Carlos quer escapar, mas não consegue.

Jean Claude Bernardet, em seu livro Brasil em tempo de cinema, destaca uma bela seqüência do filme, quando Carlos, no ápice de sua revolta, rouba um carro e foge de São Paulo. Deixa tudo para trás. Quer recomeçar. Deixar de ser apenas uma engrenagem na metrópole impiedosa. Mas ele é um impotente. E, assim sendo, é tão fascista quanto o sistema que o incomoda.




Próximos filmes do Cineclube ComCine em 2008:

sex 14/11 – Bang Bang e Blá Blá Blá… (ambos de Andrea Tonacci)

sex 21/11 – Tudo Bem (de Arnaldo Jabor)

sex 28/11 – A Lira do Delírio (de Walter Lima Jr.)

sex 05/12 – O Homem que Virou Suco (de João Batista de Andrade) e A Saga da Asa Branca (de Lula Gonzaga)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Conversando Cinema III - especial Fórum das Letras

Clique no cartaz para vê-lo ampliado.


O Comitê Aberto de Cinema da UFOP (ComCine), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), e o Cine-Teatro Vila Rica, apresentam sua já tradicional mostra de filmes comentados:



CONVERSANDO CINEMA III
Especial Fórum das Letras
De 31 de outubro a 04 de novembro (sexta a terça), sempre às 21 horas, no Cine-Teatro Vila Rica, com ENTRADA GRATUITA!




Confira a programação:


SEXTA, 31/10: DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS
De Bruno Barreto (Brasil, 1976, ficção, cor, 120 minutos.)

Comentado por Guiomar de Grammont

Durante o carnaval de 1943 na Bahia, Vadinho, um mulherengo e jogador inveterado, morre repentinamente e sua mulher, Flor, fica inconsolável, pois apesar dele ter vários defeitos era um excelente amante. Mas após algum tempo ela se casa com Teodoro Madureira, um farmacêutico que é exatamente o oposto do primeiro marido. Ela passa a ter uma vida estável e tranqüila, mas tediosa e, de tanto "chamar" pelo primeiro marido, ele um dia aparece nu na sua cama. Então ela pede ajuda a uma amiga, dizendo que quase foi seduzida pelo finado esposo. Um pai de santo se prontifica a afastar o espírito de Vadinho, mas existe um problema: no fundo Flor quer que ele fique, pois há um forte desejo que precisa ser saciado. Adaptação da obra de Jorge Amado.



SÁBADO, 01/11: RESSURREIÇÃO
De Maya Angelou (“Down in The Delta”, EUA, 1998, ficção, cor, 105 minutos.)

Comentado por Erisvaldo dos Santos

Como última esperança para melhorar sua vida, a problemática mãe solteira Loretta Sinclair decide passar o verão na fazenda de seus ancestrais, no interior do Mississipi. Aos poucos, ela vai descobrindo soluções para seus problemas e reencontra a alegria de viver, sempre com a ajuda do tio Earl. Loretta finalmente começa a enxergar uma maneira de cuidar de sua filha e reverter o desmoronamento de sua vida. No final de sua jornada, ela descobre a força das raízes de sua família e o poder do amor incondicional. Uma história sobre família, comunidade e amizade. É o único longa-metragem dirigido pela atriz e escritora afro-americana Maya Angelou, de 75 anos.



DOMINGO, 02/11: A OSTRA E O VENTO
De Walter Lima Jr. (Brasil, 1997, ficção, cor, 118 minutos.)

Comentado por Guiomar de Grammont

A jovem Marcela vive com seu pai, o faroleiro Jose, e o velho Daniel numa ilha. O único contato da menina com o mundo exterior se dá através de uma embarcação com 4 marinheiros que regularmente vai levar-lhes provisões. Através das palavras de Daniel, que a ensina a ler e é sua fonte de ternura e conhecimento, e da severidade do pai, que quer protegê-la do resto do mundo, Marcela segue sua vida até que, ao tornar-se adolescente, passa a sentir sua sexualidade e seus anseios de viver de forma intensa. Baseado no livro homônimo de Moacir Lopes.



SEGUNDA, 03/11: NARRADORES DE JAVÉ
De Eliane Caffé (Brasil, 2003, ficção, cor, 100 minutos.)

Comentado por Juca Villaschi

Somente uma ameaça à própria existência pode mudar a rotina dos habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que eles se deparam com o anúncio de que Javé pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidroelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: vão preparar um documento - uma espécie de livro de memórias - contando todos os grandes acontecimentos heróicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição. Mas como a maioria dos moradores são analfabetos, a primeira tarefa é encontrar alguém que possa escrever as histórias. Então surge Antônio Biá, uma espécie de Homero sertanejo.



TERÇA, 04/11: SÓ DEZ POR CENTO É MENTIRA
De Pedro Cezar (Brasil, 2008, documentário, cor, 76 minutos.)

:: SESSÃO ESPECIAL :: ESTRÉIA EM MINAS ::

Apresentado e comentado pelo diretor do filme Pedro Cezar

Documentário sobre a vida e obra do poeta sulmatogrossense Manoel de Barros. Alternando seqüências de entrevistas com o escritor, versos de sua obra e depoimentos de conhecedores de sua literatura, o filme traça um painel revelador da linguagem do autor considerado o poeta mais original em língua portuguesa. Com 91 anos, cerca de vinte livros publicados e vivendo atualmente em Campo Grande, Manoel de Barros é consagrado por diversos prêmios literários e é o mais vendido escritor brasileiro.



Todos os filmes começam às 21 horas, e o comentário logo após o filme.

Tudo no Cine-Teatro Vila Rica, com ENTRADA FRANCA.

Não deixe de participar!





ATENÇÃO: a sessão do Cineclube ComCine desta sexta-feira (23h) foi cancelada.





O ComCine UFOP

Criado em 2004, o ComCine – Comitê de Cinema da Universidade Federal de Ouro Preto, é um grupo formado por pessoas de diversas áreas da universidade (alunos, professores e funcionários) e também da comunidade externa, reunidos todos pela admiração ao cinema. Seu principal objetivo é servir como fórum de discussão sobre o audiovisual, considerando a sua produção, circulação e recepção. Trabalha levando o melhor do cinema às pessoas, num processo de formação de público e olhar crítico. Em 2006, o Conselho Universitário (CUNI) aprovou seu regimento interno, reconhecendo-o como espaço privilegiado de discussão e deliberação sobre o audiovisual na UFOP.

Entre suas atividades, destacamos a curadoria da área de Artes Visuais (cinema, vídeo, fotografia) do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2007 e 2008, além da elaboração de mostras regulares ao longo do ano, compostas por filmes temáticos e alternativos, em sessões gratuitas e, por vezes, itinerantes, nestas mesmas cidades. O principal evento atual é o "Cineclube ComCine", que acontece todas as sextas-feiras, às 23h, no Cine-Teatro Vila Rica, com entrada franca. E uma vez em cada período letivo da universidade, promove a "Conversando Cinema": a mostra de filmes comentados por professores, às 21h, no Cine-Teatro Vila Rica, com duração de uma semana e entrada gratuita.

As reuniões são abertas a todos os interessados, para, entre uma discussão e outra, planejar mostras gratuitas, sugerir filmes para a programação do Cine-Teatro Vila Rica – o qual faz parte do patrimônio da UFOP – e criar novas idéias para estimular a comunidade a interessar-se por esta que é chamada a Sétima Arte.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

POR TRÁS DO PANO / O SANDUÍCHE

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine deste segundo semestre de 2008. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.

No mês de outubro, o Cineclube ComCine exibe em cada sexta-feira um curta-metragem, seguido de um longa.



Nesta semana:

“O Sanduíche” e “Por Trás do Pano” são produções contemporâneas premiadas em diversos festivais Brasil afora, que apresentam o questionamento da arte e denunciam os seus meios de produção por meio da metalinguagem e com uma abordagem humorística. As relações humanas dentro e fora de cena confundem-se em ambos os filmes para, no próximo momento, surpreenderem o espectador.



:: O SANDUÍCHE
De Jorge Furtado
(RS, 2000, fic, cor, 13 minutos)

[CURTA] Os últimos momentos de um casal, a hora da separação. Mas o fim de alguma coisa pode ser o começo de outra. Outro casal, os primeiros momentos, a hora da descoberta. Encontros, separações e um sanduíche. No cinema, o sabor está nos olhos de quem vê.



:: POR TRÁS DO PANO
De Luiz Villaça
(SP, 1999, fic, cor, 90 minutos)

[LONGA] Na São Paulo de hoje, cinco pessoas muito especiais vivem suas histórias por trás do pano. Helena, uma jovem atriz em ascensão, com muito talento e insegurança, é convidada para viver o grande desafio de sua carreira. Ela é casada com Marcos, um artista plástico que brinca o tempo todo com os medos e os jogos de ciúme de sua mulher. A partir do momento em que Helena começa a se relacionar com Sérgio, um diretor e ator famoso, casado com Laís, um arquiteta bonita e ciumenta, as vidas dos dois casais se misturam e eles passam a viver momentos de dúvidas, de humor e descobertas.



Data: Sexta, 24 de outubro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00


ENTRADA FRANCA





O ETERNO ENSAIO DA VIDA
Por Rodrigo Grota

Raro exemplo de um cinema brasileiro que dialoga com o público sem deixar de ser reflexivo, “Por trás do Pano”, de Luiz Villaça, tem também outra proeza: atinge o sublime de forma leve, vôo rasteiro (sem cicatrizes). Um retrato suave dos bastidores do teatro (e da vida).

Produzido em 1999, o filme se insere em uma fase profícua do cinema brasileiro – período apressadamente batizado de "retomada", e que inclui produções a partir de 1994 financiadas por meio de incentivos fiscais. A temática se aproxima de duas obras magistrais: “Opening Night”, de John Cassavetes; e “All About Eve”, de Joseph L. Mankiewicz.

Impressionado pelo êxito de sua ex-parceira Alexandra (Ester Góes) ao encenar Macbeth, o diretor e ator de teatro Sérgio (Luís Melo) parte em busca de uma atriz para um dos papéis mais complexos na história da dramaturgia. Sim, Lady Macbeth. Encontra a jovem Helena (Denise Fraga): atriz ainda amadora, talentosa, casada com Marcos (Pedro Cardoso).

Villaça compõe um painel duplo: a vida é mostrada em seus momentos de transe – incertezas, confissões, arrependimentos. O teatro se efetiva como palco sagrado, exclusivo para os grandes temas. Os rituais se confundem: na vida, a rotina passa a ser vista como um eterno ensaio sem previsão de estréia; no palco, o que em princípio seria uma representação do mundo revela as fraquezas e virtudes reais dos personagens. O drama vivido em Macbeth encontra paralelos no drama de Sérgio e Helena. A figura feminina é elemento decisivo nos dois contextos.

Esta mistura, alma do filme, é claramente expressa na abordagem visual empregada. Os cenários das casas de Helena e Sérgio são propositalmente ficcionais. A câmera está sempre de um lado: a dos espectadores. As lembranças surgem como filmes projetados ao fundo. A iluminação não é realista. Tudo é concebido para mostrar que nada daquilo é verdadeiro, e sim, uma representação.

A linguagem gera uma espécie de contradição positiva para o filme: quanto mais se assume a concepção da arte enquanto “representação” do mundo, mais o filme se torna autêntico. Como se a vida chegasse mais forte na medida em que ela também é encarada como mera representação. Enfim: “a vida é um palco e estamos todos a representar”.

Este tipo de abordagem cria cumplicidade com o púbico: ambos (narrador e espectador) se tornam observadores de um drama. Drama, aliás, realçado pela comovente e equilibrada interpretação de Denise Fraga. Assim como Gena Rowlands e Bette Davis, Denise tem um encanto secreto, uma espécie de magia mesmo, que torna cada gesto especial. Sua atuação é sempre verdadeira, transparente (algo raro).

Mantendo a temática da “representação”, este programa traz também o curta “O Sanduíche”, de Jorge Furtado. Conhecido pelos seus roteiros extremamente inventivos e ágeis, o cineasta gaúcho também já foi exemplo de um cinema que dialoga com o público sem se submeter a convenções. Autor de preciosidades como “Ilha das Flores”, Furtado conta aqui a história de um homem que está deixando sua mulher. Para manter as surpresas do filme, nada mais deve ser dito sobre a trama. A proposta, aliás, está em sintonia com a linguagem de “Por Trás do Pano”: confundir representação e realidade, ressaltando a idéia de que na nossa vida tudo é mesmo muito misturado (homenagem indireta a Guimarães Rosa, aliás).



Próximos filmes do Cineclube ComCine em outubro (curtas & longas):

sex 31/10 – Rua do Amendoim / Amor & Cia


terça-feira, 7 de outubro de 2008

SAMBA RIACHÃO / O CATEDRÁTICO DO SAMBA

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine deste segundo semestre de 2008. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.

No mês de outubro, o Cineclube ComCine exibe em cada sexta-feira um curta-metragem, seguido de um longa.



Nesta semana:

O diretor Jorge Alfredo usa como pano de fundo a trajetória de Clementino Rodrigues, o popular sambista baiano Riachão, de 80 anos de idade, para contar a importância do samba para o povo brasileiro. O filme apresenta também um panorama do samba na Bahia, onde Riachão viveu mais de seis décadas influenciando gente como Caetano Veloso e Tom Zé. Samba Riachão venceu o prêmio de melhor filme no 34° Festival de Brasília na escolha do público e júri. Na mesma roda de samba de Riachão está Germano Mathias no documentário “O Catedrático do Samba”, um valioso registro sobre a vida do cantor e compositor paulista. Ao longo do filme, ele vai lembrando o início de tudo, com os engraxates na Praça da Sé.


:: O CATEDRÁTICO DO SAMBA
De Alessandro Gamo e Noel Carvalho
(SP, 1999, doc, cor, 23 minutos)

[CURTA] Perfil do cantor e compositor paulistano Germano Mathias, traçado em estilo solto e malandro como o do sambista.


:: SAMBA RIACHÃO
De Jorge Alfredo
(BA, 2001, doc, cor, 86 minutos)

[LONGA] Aos 80 anos de idade, Riachão é o cronista musical da cidade de Salvador, tendo vivenciado todas as transformações pelas quais passou a música popular brasileira e os meios de comunicação no decorrer do século XX. É através das histórias deste cronista que o filme apresenta um relato histórico da MPB. Com depoimentos de Dorival Caymmi, Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Armandinho, Carlinhos Brown, Bule Bule, Daniela Mercury, Tuzé de Abreu, Dona Edith do Prato, Chula de São Brás, Gerônimo, Clarindo Silva, Cid Teixeira, Antonio Risério. Premiações: Festival de Brasília (Melhor Filme – um pelo júri oficial e outro pelo júri popular – e Melhor Montagem), Festival É Tudo Verdade 2002 (Prêmio Tv Cultura de Documentário).


Data: Sexta, 10 de outubro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00

ENTRADA FRANCA




SAMBA, RIACHÃO!
Por Marcos Pierry

Para uns, Clementino Rodrigues é um compositor pueril. Para outros, um moleque solto na vida. E há quem ache os seus sambas uma coisa mordente. Vão direto na veia. Clementino é o octagenário sambista baiano Riachão, em nome de quem o cineasta Jorge Alfredo concebeu o documentário Samba Riachão. O filme se propõe, na verdade, a um exercício investigativo sobre o artista e ao mesmo tempo sobre o gênero musical que este animado bamba de Salvador pratica há mais de cinqüenta anos.

Dezenas de convidados participam do longa-metragem, falando sobre Riachão, cantando e dançando as suas músicas, especulando sobre as origens do samba e a eventual proeminência de diferentes estados brasileiros na criação deste universo rítmico capaz de ancorar uma expressiva parcela da cultura nacional.

Mas o que enche mesmo a tela é a imagem de Riachão. E olha que, ao longo de oitenta minutos, passam pelo écran performers de peso dos mais variados naipes - os tropicalistas Tom Zé, Caetano Veloso e Gilberto Gil, o virtuose Armandinho, a dançarina Roseane Pinheiro, Dorival Caymmi, entre muitos outros. Não importa, é Riachão, pequeno, franzino, quem comanda o show. E para ele, tudo termina em samba. O tempo inteiro a saracotear o corpo, fagueiro no movimento de pés e mãos. O tempo inteiro a sorrir, mesmo quando chora ou denuncia a negligência de sua Bahia com o gênero que, pelo menos até hoje, melhor expressa a musicalidade local.

Sua estampa – óculos escuros, correntes/colares e anéis grossos, o bigode mínimo chapliniano e a indefectível toalha no pescoço – é um prato cheio aos olhares ávidos por encontrar uma figura cult, para usar o termo caro na releitura contemporânea, em qualquer artista popular genuíno. A autenticidade, e o domínio de cena, do cantor e compositor acaba pondo à prova a necessidade de uma lista tão longa de entrevistados em Samba Riachão.

Uma montagem mais afiada tornaria o filme de Jorge Alfredo mais conciso, ainda mais ao levar-se em conta o desafio da aparente duplicidade temática – um sambista e/ou o samba. Assim, ficam fora de contexto imagens até representativas, como o plano que mostra a subida do bloco afro Ilê Aiyê durante o carnaval de Salvador, ou depoimentos poéticos, a exemplo da hipótese de Carlinhos Brown para o nascimento do samba (“nasceu na vontade de chegar aqui, precisou de porto”). Nada, porém, que derrube a peteca. Alfredo, além de documentarista, é músico. E sua jam session de samba e cinema está bem acima da média.

Completa o programa o curta-metragem O Catedrático do Samba, de Alessandro Gamo e Noel Carvalho, sobre o cantor e compositor paulistano Germano Matias. O filme traz histórias saborosas contadas pelo próprio sambista, único entrevistado da película, com destaque para o itinerário das gafieiras freqüentadas por Germano, nascido em 1934, a descoberta das latinhas de engraxate como instrumento musical e a nostalgia do músico ao lembrar do centro antigo de São Paulo. Os realizadores marcam um tento ao valorizar as tomadas externas com a presença orgânica do Germano, intérprete que mais de uma vez soube esquecer as diferenças bairristas ao gravar composições de calibre de sambistas cariocas.



Próximos filmes do Cineclube ComCine – curtas & longas:


sex 17/10 – O Último Raio de Sol / O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas

sex 24/10 – O Sanduíche / Por Trás do Pano

sex 31/10 – Rua do Amendoim / Amor & Cia

terça-feira, 30 de setembro de 2008

DURVAL DISCOS / A ORIGEM DOS BEBÊS SEGUNDO KIKI CAVALCANTE

O Comitê de Cinema da UFOP (ComCine), a Pró-Reitoria de Extensão da UFOP (ProEx), o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC/UFOP) e o Cine-Teatro Vila Rica apresentam a programação do Cineclube ComCine deste segundo semestre de 2008. Todas as sessões são gratuitas, com filmes da Programadora Brasil – Central de Acesso ao Cinema Brasileiro.

No mês de outubro, o Cineclube ComCine exibe em cada sexta-feira um curta-metragem, seguido de um longa.



Nesta semana:

O grande vencedor do Festival de Gramado de 2002 (sete Kikitos, incluindo o de melhor filme), “Durval Discos”, longa-metragem de estréia da diretora Anna Muylaert, alterna elementos de comédia absurda, drama comportamental e suspense. A história do quarentão que teima em vender apenas vinis em sua loja de discos, sua relação com a mãe amalucada e a chegada de uma menina que vai implodir esse universo se vale bem da mistura de gêneros e estilos e das freqüentes mudanças de tom. Também tendo uma menina imaginativa como protagonista, o curta “A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti”, realizado sete anos antes do longa, já revelava o gosto da cineasta pelo humor insólito e seu talento para a direção de crianças.



:: A ORIGEM DOS BEBÊS SEGUNDO KIKI CAVALCANTE
De Anna Muylaert
(SP, 1996, ficção, cor, 17 minutos)

Comédia de costumes sobre as confusões que as crianças fazem a respeito da vida sexual dos adultos.




:: DURVAL DISCOS
De Anna Muylaert
(SP, 2002, ficção, cor, 93 minutos)


Solteirão, com jeitão de hippie, tem uma loja de discos e ainda mora com a mãe. Com a chegada do CD, recusa-se a vendê-los, mantendo-se fiel ao vinil. O inesperado aparecimento de uma menina mudará para sempre as vidas de Durval e de sua mãe dominadora, mostrando que tudo na vida tem um lado A e um lado B, como nos LPs.




Data: Sexta, 03 de outubro
Local: Cine-Teatro Vila Rica
Hora: 23:00

ENTRADA FRANCA


IMUNIZAÇÃO (IR)RACIONAL
Por Rodrigo de Oliveira


Em “A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti” somos apresentados a Kiki, uma criança encantadora e sobre a qual é impossível ter qualquer controle. Criada num ambiente atribulado devido às constantes brigas dos pais e à ascendência do irmão endiabrado, Kiki trabalha dentro de si essas influências e ali, em sua cabeça explodindo de conexões cuja lógica é toda particular, temos entrada proibida (ainda que Anna Muylaert sempre insista, e muito bem, no contato com o imaginário infantil – basta olhar seu trabalho na criação de séries como “No mundo da lua”, “Castelo rá-tim-bum” ou “Um menino muito maluquinho”). O que podemos ver são as manifestações do contato de Kiki com o mundo, e sua teoria torta – mas justificada pelas confusões familiares – sobre o nascimento dos bebês. Kiki sustenta um paradoxo fundamental: mantém a visão inocente da infância, mas já está completamente contaminada pelos símbolos da violência.


Sete anos depois, Anna Muylaert retorna à Kiki, e mesmo que seja interpretada por outra atriz-mirim e tenha um sobrenome diferente, a menininha de “Durval Discos” carrega a mesma presença simbólica de antes. É uma questão de confronto de mundos. Primeiro há a vivência estática de Durval e Dona Carmita. O começo do filme nos apresenta esta velha casa paulistana e sua loja de discos como um ambiente analógico que resiste à crescente digitalização ao seu redor. Mas ainda existe o “ao redor”, ainda mantém-se um contato com o lado de fora, para o qual Durval e a mãe são perfeitas antíteses. O rigor formal é absoluto: longos planos de câmera parada, estabelecendo a imutabilidade atroz daquela existência (é a mãe assentada na velhice, o filho velho-garoto preso a ela, os flertes com a vizinha que nunca passarão disso). Kiki, esta força que não se controla, que encerra em si a inocência e a violência, chega para mover a vida – e, eventualmente, mover a câmera. Uma seqüência simples de conversa na sala ganha fluência pela simples presença da menina: um rodopio em torno da mesa, que empurra Durval e Dona Carmita para os cantos e coloca Kiki no centro deste novo universo criado por ela.


Kiki olha para meia dúzia de ratos de esgoto e diz: “Olha, o Mickey!?”. Ela é capaz de assimilar qualquer estranheza e transformá-la em doce loucura. Sua presença isolará definitivamente a casa do mundo exterior (e se houver uma incursão por ele, digamos, pelo trânsito caótico de São Paulo, só se for a bordo de uma charrete).


Num filme musical como este, as canções são mais que preenchimento de fundo. No passeio de bicicleta pela casa, cena que equilibra a candura de Kiki com a memória de um passeio similar, do menino aterrorizado em “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, Durval coloca uma música do disco “Racional”, de Tim Maia. A questão parece bem essa: a tentativa de racionalização não esconde a irracionalidade latente em todo o projeto. Kiki é agente dessa lógica distorcida, e nem Durval, nem Dona Carmita, nem mesmo o próprio filme estão imunes a isso.


Passado todo o pequeno épico buñueliano que se arma dentro da casa, Durval toma tempo para ouvir uma última música antes de abrir novamente as janelas para o mundo. E toca “London, London”, na voz de Gal Costa. Se a criança é sempre uma caixa de mistérios, e se contra a loucura de sua mãe não há mais o que fazer a não ser se desesperar, a saída é mesmo o exílio emulado por Caetano. Só assim, talvez, Durval consiga se integrar ao que acontece lá fora. Só assim, talvez, ele consiga se misturar aos signos visuais da cidade, como na seqüência de créditos iniciais em que os nomes dos realizadores aparecem misturados a placas e anúncios de rua. Durval briga, no fundo, pelo direito de fazer parte de loucuras mais saudáveis que aquelas de sua pequena e febril loja de discos. Briga pelo direito de exilar-se no mundo real.








Próximos filmes do Cineclube ComCine – curtas & longas:




sex 10/10 – O Catedrático do Samba / Samba Riachão


sex 17/10 – O Último Raio de Sol / O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas


sex 24/10 – O Sanduíche / Por Trás do Pano


sex 31/10 – Rua do Amendoim / Amor & Cia










O ComCine UFOP


Criado em 2004, o ComCine – Comitê de Cinema da Universidade Federal de Ouro Preto, é um grupo formado por pessoas de diversas áreas da universidade (alunos, professores e funcionários) e também da comunidade externa, reunidos todos pela admiração ao cinema. Seu principal objetivo é servir como fórum de discussão sobre o audiovisual, considerando a sua produção, circulação e recepção. Trabalha levando o melhor do cinema às pessoas, num processo de formação de público e olhar crítico. Em 2006, o Conselho Universitário (CUNI) aprovou seu regimento interno, reconhecendo-o como espaço privilegiado de discussão e deliberação sobre o audiovisual na UFOP.


Entre suas atividades, destacamos a curadoria da área de Artes Visuais (cinema, vídeo, fotografia) do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana – Fórum das Artes 2007 e 2008, além da elaboração de mostras regulares ao longo do ano, compostas por filmes temáticos e alternativos, em sessões gratuitas e, por vezes, itinerantes, nestas mesmas cidades. O principal evento atual é o "Cineclube ComCine", que acontece todas as sextas-feiras, às 23h, no Cine-Teatro Vila Rica, com entrada franca. E uma vez em cada período letivo da universidade, promove a "Conversando Cinema": a mostra de filmes comentados por professores, às 21h, no Cine-Teatro Vila Rica, com duração de uma semana e entrada gratuita.


As reuniões são abertas a todos os interessados, para, entre uma discussão e outra, planejar mostras gratuitas, sugerir filmes para a programação do Cine-Teatro Vila Rica – o qual faz parte do patrimônio da UFOP – e criar novas idéias para estimular a comunidade a interessar-se por esta que é chamada a Sétima Arte.